Comitê da ONU condena o Brasil por morte de grávida em hospital público
Plantão | Publicada em 16/08/2011 às 20h35m
Carolina BrígidoBRASÍLIA - O Brasil foi condenado pelo Comitê das Nações Unidas para Eliminação da Discriminação contra Mulheres (Cedaw) pela morte em 2002 de Alyne Silva Pimentel, por falta de atendimento de qualidade em um hospital público do Rio de Janeiro. O Brasil terá que "providenciar reparação apropriada, inclusive financeira", à mãe e à filha de Alyne. Ela tinha 28 anos quando morreu, morava na Baixada Fluminense, estava no sexto mês de gravidez e deixou órfã uma filha de cinco anos. A decisão foi tomada "considerando a gravidade das violações contra ela".
Alyne e morreu cinco dias após ter dado entrada em um hospital da rede pública, com sinais de gravidez de alto risco. Segundo documentos anexados ao processo, a morte da paciente poderia ter sido evitada se ela tivesse sido atendida de forma apropriada por um obstetra. A reclamação foi feita ao órgão em novembro de 2007 pela mãe da paciente, Maria de Lourdes da Silva Pimentel. O caso foi julgado em sessão ocorrida no último dia 25 de julho.
A paciente sentia náusea e dores abdominais. O médico receitou um medicamento para a náusea e mandou Alyne de volta para casa. Dois dias depois ela voltou ao hospital, com sua condição piorada. Foi constatado que o feto havia morrido e os médicos tiveram de induzir o parto. A saúde dela piorou, com hemorragias incontroláveis. Como a família não tinha dinheiro para pagar por uma ambulância particular, a paciente só foi transferida para um hospital com melhor estrutura no dia seguinte. Acabou morrendo após chegar ao hospital.
"As queixas de severas náuseas e de dores abdominais no sexto mês de gestação foram ignoradas pelo centro de saúde, que falhou ao realizar um exame de sangue de emergência para verificar se o feto teria morrido. Os testes foram feitos dois dias depois, o que levou à deterioração do estado de saúde da paciente", diz a decisão do Cedaw.
A família processou o sistema público de saúde, mas a causa ainda não teria sido julgada. Segundo o Cedaw, o Brasil violou vários dispositivos do Protocolo Opcional da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres - documento do qual o país é signatário. Houve desrespeito à obrigação do Estado de tornar a saúde acessível, de tornar a justiça acessível e de regular as atividades das empresas privadas de saúde.
O órgão, que tem apenas o poder de sugerir providências, também recomendou ao Brasil que tome várias atitudes. Uma delas é garantir a todas as mulheres o direito à maternidade segura e de baixo custo, com acesso ao atendimento de emergência para obstetrícia. Além disso, que providencie o treinamento dos profissionais de saúde, especialmente dos que atuam no atendimento e no parto de gestantes.
O Cedaw também recomendou a garantia de acesso ao judiciário por parte de gestantes vítimas do mau atendimento médico. E que os profissionais responsáveis pelo mau atendimento sejam responsabilizados por seus atos. O órgão reforçou a necessidade de redução das mortes maternas. Também anotou que o Brasil deve traduzir a decisão do órgão e distribuí-la a setores relevantes da sociedade. Em seis meses, o país deverá redigir uma resposta ao Cedaw, informando as medidas adotadas.
Segundo o órgão da ONU, os governos têm a obrigação de que todas as mulheres, independente de raça ou condição financeira, tenham acesso a um pré-natal de qualidade. Ainda segundo o comitê, mesmo quando os governos terceirizam serviços de saúde, eles são diretamente responsáveis por estes serviços, com o dever de regular e de fiscalizar as instituições.
A coordenadora da Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, Maria Esther de Albuquerque Vilela, disse que o governo federal está preocupado com os problemas da rede pública de saúde. Ela lembrou que a presidente Dilma Rousseff acrescentou o combate à mortalidade materna e infantil como prioridade de seu governo.
- O ministério está preocupado com os desafios que temos em relação à assistência à mulher e à criança. Há insuficiência de leito e de qualificação da rede. Tanto é prioridade do ministério que estamos lançando a Rede Cegonha, um programa para cuidar da mulher na gravidez e no parto e também da criança até dois anos de idade. Temos desafios, sabemos que temos que qualificar a rede, especialmente no modelo de atenção - afirmou.
Segundo dados do ministério, a cada 100 mil gestantes, 76 morrem durante a gestação, no parto ou até um ano após o parto.
- É um dos objetivos do milênio reduzir nossas taxas de mortalidade materna e infantil. Essa é uma prioridade do Ministério da Saúde. É uma morte dramática, porque uma grande porcentagem é evitável. Com uma rede qualificada, as mortes poderiam ser reduzidas - afirmou.
Procurados pelo GLOBO, representantes da Secretaria de Direitos Humanos e da Secretaria de Política para as Mulheres não comentaram a decisão.
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